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Info-dieta com Mercúrio em Virgem

O que é que o cérebro tem que ver com o polegar, e porque é que estamos todos a precisar de uma dieta

Em Abril de 2020 deixei de ver noticiários na televisão. Nos primeiros tempos de pandemia, ninguém sabia grande coisa - essa era a única certeza. But the show must go on, e então era ver comentadores e comentadeiros, mais ou menos panicando, tentando fazer sentido de uma situação sem precedentes (pelo menos nas memórias de quem ainda é vivo). What was the point, then? Rapidamente cheguei à conclusão de que a confusão e o medo que transpirava de cada instante noticioso eram inúteis - ou pior, alimentavam a confusão e o medo da audiência onde eu me incluía. Não sabiam mais do que ninguém, e decididamente, não tinham nenhum contributo útil a dar ao panicar de quem estava fechado em casa. Turned off, all of them. For good.


Passada a pandemia, continuo sem ver noticiários na televisão. É um espetáculo meticulosamente preparado para suscitar emoções fortes na audiência. De preferência emoções negativas, que paradoxalmente parecem ser o que mantém a atenção das pessoas presa por mais tempo. Talvez a explicação para isso esteja bem lá atrás, quando os nossos antepassados desenvolveram um apendicezito curioso chamado polegar oponível. Aquilo que nos permite não só agarrar melhor os objetos como manipulá-los com destreza, moldá-los, utilizá-los para construir outros objetos que nos sejam (mais) úteis.


A capacidade de construir ferramentas foi um dos grandes saltos evolutivos da humanidade. O polegar oponível tornou-se um aliado formidável do cérebro, permitindo-lhe como nunca antes explorar o ambiente circundante com uma perspectiva, mais do que inquisitiva, utilitária. E inventiva, criativa, muito criativa! Mãos ágeis constroem e desconstroem, experimentam, afinam, aguçam, testam, destroem e voltam ao início. E o cérebro sempre atento, a absorver cada nova descoberta, a aprender e a desenvolver novas competências na relação com a natureza. Formidável, huh?


Certo. Já nessa altura suponho que a relação entre ferramentas e sobrevivência fosse bastante estreita. Em circunstâncias difíceis, quando a nossa capacidade de adaptação era posta à prova, lá nos desenrascávamos com uma ferramenta ligeiramente melhor, ou com uma talvez até com uma nova ferramenta. A necessidade aguça o engenho, e o engenho põe o polegar a trabalhar.
Milhares de anos depois, continuamos (cada vez mais) entretidos com as nossas ferramentas. Toda a tecnologia que temos hoje, não é mais do que um conjunto de ferramentas avançadas. Criámos até ferramentas que nos dão informação. Muita informação. Tanta tanta tanta, que desconfio bem que o nosso cérebro não está muito preparado para isso (aliás, há já muitas pistas que apontam nesse sentido). Data overload. Passamos cada momento de vigília a ser constantemente bombardeados com informação. Na paisagem preenchida com painéis publicitários das mais variadas formas e feitios, nos laptops e smartphones, no streaming e nas permanentes tentativas de captar a nossa atenção, seja porque meios for.


Neste capitalismo tardio em que vivemos, atenção é dinheiro. Veja agora isto, que é espetacular e vai custar-lhe muito pouco comparado com o bem que se vai sentir quando o tiver. Ou então - e voltamos (também) aos noticiários televisivos - veja agora isto que é absolutamente terrível, e só aqui lhe vamos explicar tudinho para que você possa suster uma ilusão de que alguma coisa neste mundo está sob controlo, e assim talvez diminuir um bocadinho dessa ansiedade absurda (que por acaso fomos nós que instigámos inicialmente, mas isso agora não interessa nada).
Capitalismo da dopamina: tome este shot grátis, vai sentir-se tão melhor por uns segundos, e a partir daí vamos vender a sua atenção a outras empresas, e vender-lhe a si tudo o que precisa para chegar ao próximo shot. See what I mean? … (ufa que é cansativo…..)


Anyway, a boa notícia é que estamos em Setembro. Gosto deste mês, da energia de Virgem que anda por aí. Regressar à rotina, (tentar) deixar para trás os devaneios das férias e voltar a concentrar atenções no que é útil, no que é saudável. E já que voltei a falar em atenção, porque não uma dietazinha informativa? Aproveitando que Mercúrio está retrógrado….? Eu sei que Mercúrio retrógrado tem péssima reputação (mails que não chegam, vôos que se atrasam, pessoas que não se entendem….), mas não este - prometo 😉


No seu signo de regência (Virgem) e em trígono a Júpiter e a Touro (por signo), este Mercúrio retrógrado convida a colocar as ideias em ordem. E já agora também as práticas. No fundo, tudo aquilo em que usamos o nosso polegar.


Porque não reflectir no uso que fazemos dos recursos que temos? A começar pelo tempo. Como aproveitamos as horas de cada dia? Multi-tasking? Má ideia. Uma coisa de cada vez. Tarefas hercúleas? Partir em pedacitos digeríveis, fáceis de fazer - tipo lego (ahh, se ao menos a vida adulta fosse tão divertida como um technic...).
E dinheiro, está curto? Repensar. Distinguir necessidades de desejos, tentar planear para o longo prazo sem comprometer o que é preciso hoje. Poupar no que for “poupável”. Cortar com o supérfluo. Se tudo o resto falhar, respirar fundo (muito).
E já que falamos de recursos, falta voltar à atenção. Também é um recurso. A atenção é como o sol ou a água do nosso jardim interior: o que quer que a receba, é o que cresce e se expande. Queremos mesmo dar atenção ao que nos dá ansiedade? Ao que nos suscita indignação pronta a usar? Ao que nos coloca de um lado de uma qualquer barricada cultural ou identitária?


Na dúvida, Mercúrio em Virgem ajuda com a pergunta: “Isso é mesmo útil? Se sim, serve para quê?” Se a resposta tardar em surgir, ou não for especialmente convincente… talvez seja altura de deitar fora. Cortar nas guloseimas pseudo-informativas que nos querem impingir. Desligar ecrãs, parar com o doomscrolling (“Shots de dopamina? Não, obrigada, estou em dieta”). Devolver ao polegar oponível a dignidade que merece, reservando-o para tarefas verdadeiramente úteis, ou criativas, ou úteis e criativas ao mesmo tempo. E nos intervalos em que nada está a acontecer de muito significativo, deixá-lo descansar um bocadinho, sossegado e em silêncio.
 

Imagem
mulher com caixa na cabeça
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