Casei-me antes dos 30. Também me divorciei antes dos 30. Ainda que à distância de quase uma década tudo pareça uma óptima experiência de aprendizagem, na altura… not so much fun. Mas claro que nos 20s achamos todas que sabemos tudo. Talvez porque a estabilidade profissional esteja cada vez mais adiada (ou até impossível), e mesmo que a moda seja optar por formatos de relação menos convencionais, há sempre uma vozinha reminiscente da tonelada de histórias de princesas com que nos bombardearam na infância (os vestidos de baile, o sapatinho de cristal, o felizes para sempre…). Quem como eu cresceu nos 80s teve ainda que levar com aquela dose “extra-cream-and-cherry-on-top” de baladas, xaropadas de Hollywood (ai o Dirty Dancing…) e ainda (confesso!) novelas brasileiras – quando as faziam inesquecíveis, como o Roque Santeiro ou a Pedra sobre Pedra. De maneira que, mesmo sem nunca ter albergado grandes sonhos sobre “the big day”, lá um belo dia dei por mim a caminhar pela igreja fora, vestido devidamente armado e decorado com florzinhas, quarteto de cordas incluído.
O que o tempo me ensinou de lá pra cá (ui, que só isso dava um livro inteiro!) é que ninguém se devia comprometer definitivamente com nada antes dos 30. Nem com escolha de carreira profissional, nem com relacionamentos, nem sequer com amigos ou local onde viver. Muito menos quando esse compromisso vem com o rótulo mais ou menos assumido de “para sempre”. Antes dos 30, está tudo em aberto. Chegamos a este mundo sem pedir e sem perceber bem o porquê, e temos 3 décadas para começar a tentar perceber o que fazer com a vida. Nos primeiros 15 anos, o essencial: o que comer, onde cagar, como deitar pra fora o que nos vem à cabeça e tentar ouvir minimamente o que sai da boca das outras pessoas. E lentamente começamos a descobrir, entrando nos segundos 15 anos, que há muita coisa que nos interessa. Há livros e músicas para ouvir, locais para visitar, temas obscuros para pesquisar e partilhar na net, cenas fixes para criar com o corpo e a imaginação, pessoas estranhas e maravilhosas para descobrir, ensinamentos e preconceitos para questionar e descartar… Tudo isto sem roteiro e sem planeamento. Procurar lá fora quem somos por dentro e o que queremos ser (o que no fundo é a mesma coisa, a mesma missão: tornarmo-nos no que sempre fomos).
Na Astrologia aprendemos que estes primeiros 28-29 anos de existência correspondem ao tempo que Saturno demora a completar um ciclo por todos os signos do Zodíaco. Esse ciclo reflecte a nossa primeira fase de amadurecimento, durante a qual aprendemos a conhecer os nossos limites e responsabilidades. O que queremos ser quando formos “grandes”.
Pode ser fantástico poder partilhar este tempo de frequência na “creche” da existência humana com alguém – mas dificilmente estaremos aptos para assumir grandes compromissos. Amizades e amores vão e vêm, e é natural que assim seja: estamos todos na mesma creche, crescendo cada um a seu ritmo. Em certos dias adoramos brincar às escondidas, noutros nem penses que roubas O MEU carrinho (quem diz carrinho diz “atenção”, “carinho” e toda a panóplia de “chupetas afectivas” que achamos que os outros nos devem).
Nestes tempos em que a reacção é muito mais frequente do que a acção, quando nem ainda faço ideia de qual será o meu lugar no mundo, como posso prometer (e cumprir) que vou dedicar-me ajuizadamente a um projecto de vida a dois? Como terei certeza de que as respostas que encontro são mesmo minhas, e não um reflexo das expectativas/ medos/ frustrações da pessoa com quem casei?
Para muitas pessoas, não importa. Afogam a ansiedade existencial numa flute de champanhe (viva os noivos!), e cá vai disto. Sendo que “isto” é a união entre dois estranhos que se vão esforçar muito por não olhar para o lado quando der vontade. E aqui “olhar para o lado” é muito mais do que envolvimento emocional ou sexual com outra pessoa: é olhar para todas as possibilidades que foram descartadas no momento do “Sim”. Sim, desisto de ir para a Austrália viver entre os aborígenes durante um ano. De deixar crescer o cabelo até descobrir a minha verdadeira vocação. De fazer tudo o que te incomoda (só porque te incomoda). De dizer em voz alta tudo o que detesto e tudo o que amo – demasiada sinceridade não, amorzinho, que ainda aborreces os parentes que nos vieram visitar... need I say more?
Então para quem é seriozinho, timidozinho, e não está para essas modernices de one-night stand, é solidão até aos 30? Caverna eremita no meio da floresta, pêlos nas pernas, chocolate para calar o desespero silencioso que se vai acumulando de dia pra dia (a la Bridget Jones)…? Claro que não! Não casar não significa não partilhar a vida. Significa apenas não assinar o papelito que diz que passamos a ser de alguém (I kid you not – googlem as origems do casamento e maravilhem-se com a brilhante invenção patriarcal para acabar com a liberdade sexual feminina). Que nos atribui “deveres conjugais”. Até o Saturno voltar à posição em que estava quando nasceste, o teu único dever é tornares-te num ser humano adulto, minimamente consciente do que queres fazer com esta vida.
Don’t get me wrong: partilhar esta viagem de crescimento com alguém pode ser fantástico! Vários casais que conheço dizem-me que o crescimento a dois foi por vezes desafiante e obrigou a desenvolver doses extra de paciência e ginástica emocional. (Há tempos dizia-me uma amiga: “Damo-nos melhor agora (com 30 e poucos) do que quando começámos a namorar”).
Para os de semente mais conservadora (diga-se a malta com mapas mais saturninos, com mais Capricórnio, Caranguejo e Touro, ou Saturno em contacto com Sol, Lua ou Vénus), casar é tão natural como almoçar em casa dos sogros todos os fins-de-semana. Mas para o pessoal mais uraniano (o povo com Aquário muito evidente, ou com Urano em contacto com Sol, Lua ou Vénus), e muitos não sabem que o são (como eu não sabia), esqueçam lá o casamento. Antes dos 30, ou até mesmo para sempre. Vós sois feitos de um material diferente: a ideia da pessoa é muito mais apaixonante do que a pessoa presente, dia após dia, com os seus defeitos e hábitos nojentos característicos de qualquer ser humano (é ou não é?). Por isso que muitos uranianos acabam por se apaixonar por pessoas indisponíveis (casadas ou que vivem longe ou que estão muitas vezes ausentes por razões profissionais) – inconscientemente estão a obter a distância de que precisam para viver plenamente um envolvimento amoroso. Paixão sim, mas cada um em sua casa. O papel passado não é só um papel: é um símbolo de que eu sou tua e tu és meu. E eu não sou tua, sou só minha – e respeito que tu sejas só teu. Duas pessoas independentes que escolhem estar juntas todos os dias. Porque em cada dia isso faz sentido a cada uma delas, individualmente. Não por causa de um álbum de fotografias onde estão como príncipe e princesa. Não porque têm um anel no dedo.
De maneira que, respeitando os timings de Saturno – amadurecer um minimozito de 28/29 anos antes de comprometer! – dispomos de mais tempo, espaço e liberdade para escolher com consciência a carreira profissional que melhor reflecte os nossos talentos e ambições, o lugar onde mais nos sentimos em casa, o parceiro que é realmente um companheiro de viagem em todo este projecto de vida. A carreira, o lugar e o parceiro com que nos queremos realmente comprometer. Não para sempre, mas um dia de cada vez.