Há um lugar dentro de nós onde procuramos refúgio, abrigo, sossego. A nossa casa real é apenas uma extensão desse lugar que não tem forma material, mas que é tão real e necessário como o sentimento de segurança que nos proporciona. Eu chamo-lhe "a caverna". Todas as noites, antes de adormecer, imagino-lhe as cores, os cheiros, e vou para lá relaxar, meditar, serenar a mente depois de um dia inteiro de concentrações e distracções. Para mim, este lugar é muito mais do que um ninho aconchegante: é o ponto de contacto com o que de mais profundo tenho dentro de mim.
Astrologicamente, encontramos este lugar no ponto mais baixo do horóscopo natal - o Fundo-do-Céu (ou IC, do latim immum coeli).
Diametralmente oposto ao zénite solar no dia do nosso nascimento, o IC é o início da casa 4 e reflecte as raízes de onde viemos, as raízes que nos estabilizam e nutrem à medida que nos aventuramos na conquista das nossas aspirações pessoais, sociais e profissionais.
Neste lugar encontramos muitas vezes as qualidades (e os defeitos) que não gostamos de saber que temos. A ligação à família, à tradição, à comunidade onde se nasceu e cresceu, a todo um legado emocional, cultural e até patrimonial que define, em parte, quem somos - ou melhor, quem podemos vir a ser. Somos muito mais do que o IC, mas somos mais o IC do que gostamos de admitir.
Quando há um astro muito próximo do IC ou na casa 4, a "caverna" surge povoada por uma das nossas divindades interiores.
Não encontraremos porto seguro antes de prestarmos as devidas homenagens a essa divindade, reconhecendo o seu papel nos nossos anos de crescimento e honrando as suas dádivas como se de uma preciosa herança de família se tratasse.
Se é Júpiter, a "caverna" quer-se em permanente expansão, como um farol de onde se avista até ao horizonte. É preciso abrir as janelas e deixar entrar todas as oportunidades, pois o nosso verdadeiro ninho é o mundo inteiro e nada menos do que isso será suficiente. A tradição familiar é de crescimento pessoal, intelectual e espiritual, e a essência dos nossos valores morais reflecte o sentido ético dos nossos antepassados.
Se é Saturno, a "caverna" pode parecer-se mais com uma cela solitária. Há uma restrição no apoio que sentimos da nossa família - nunca será o suficiente para dar suporte à pessoa que queremos ser. A palavra que este posicionamento sempre me sugere é "lastro", pois que todas as pessoas que tenho conhecido com Saturno no IC parecem, de uma forma ou de outra, carregar enormes fardos de responsabilidade familiar - se não a responsabilidade por questões materiais/financeiras, pelo menos o dever de estar à altura de pesadas expectativas. Outra característica típica é a necessidade de uma certa dose de solidão na vida doméstica - pois só na companhia da solidão que se escolheu será possível desenvolver raízes verdadeiramente auto-suficientes, capazes de se suster e nutrir pelo seu próprio esforço.
Se é Urano, a "caverna" é instável por natureza, muda com frequência. Há uma distância emocional entre nós e as nossas raízes que nos impede de sentir que pertencemos realmente a qualquer coisa. Talvez o historial familiar reflicta isso mesmo: mudanças de casa frequentes, dificuldade em manter relações de proximidade dentro de uma comunidade, etc. Ou talvez tenhamos encontrado num dos pais um exemplo flagrante de que o melhor é não nos ligarmos a nada que comprometa a nossa liberdade individual - família incluída.
Se é Neptuno, a "caverna" é um lugar fluido e fantasioso, onde tudo o que achamos que somos e sabemos se dissolve num mar de emoções profundas. A profunda sensibilidade a tudo o que se passa no ambiente familiar convida-nos a sacrificar uma qualquer parte de nós pela ligação às nossas raízes. Mas essa não será uma ligação qualquer: parece mágica, divina, e não há nada que se lhe compare no mundo lá fora. A "caverna" rapidamente se torna numa espécie de "Terra do Nunca", para onde fugimos quando a vida lá fora se torna demasiado dura, demasiado... real.
Se é Plutão, a "caverna" é na realidade fortaleza impenetrável. O domínio sobre o espaço doméstico equivale a uma verdadeira luta pela sobrevivência psicológica. A herança familiar é de segredos e tabus - e a pessoa com Plutão nesta posição é um excelente candidato a bode expiatório. Mas há também resiliência e um extraodinário poder: descendemos de uma linhagem de sobreviventes, e mais cedo ou mais tarde descobrimos que as nossas reservas emocionais podem sobreviver a tudo.
Esta noite, quando estiver a adormecer, pense um pouco nos contornos da sua "caverna". O que é que lhe transmite segurança? Onde reside o apoio e a estabilidade de que necessita para concretizar os seus projectos? Afinal, nenhum homem é uma ilha: todos precisamos de raízes bem mantidas que, filtrando o melhor do passado e do presente, consigam sustentar aquilo que hoje somos e tudo o que ainda havemos de ser.