Saturno tem estado estacionário e hoje retoma o movimento directo a partir do grau zero de Peixes. Podia estar em lugar mais “adequado” aos seus talentos? Podia. Mas talvez estejamos a precisar de algumas correcções à nossa bússola emocional coletiva. Afinal, Neptuno já chegou a Peixes em 2011, anda por aí muuuuita confusão, de modo que vejamos Saturno em Peixes como o carpinteiro que, sabendo muito pouco de canalização, resolveu calçar as galochas e enfrentar a inundação (Who the f*** let this mess happen?!?! Goddamnit, it’s always up to Saturn to fix it… -.-)
E bem, parece-me que o Buda tinha razão: toda a vida é sofrimento. (Sorry pela frase deprimente, mas vê pelo lado positivo: daqui para a frente só pode melhorar… acho eu ;-)
Desde o primeiro momento que sofremos. Para nascer, para sobreviver, para aprender a continuar a sobreviver. Mesmo que alguns de nós possam ter tido uma infância impecável, não há como escapar: algo ou alguém vai sempre acabar por nos lembrar dos nossos limites, das nossas fragilidades (e isto é o melhor cenário… coisas inomináveis e violentas acontecem todos os dias, a demasiadas pessoas… ).
Cada dia neste mundo é também mais uma oportunidade para perdermos qualquer coisa. Claro que o bom também existe, o maravilhoso também acontece! Mas a longo prazo, life is a losing game…. O tempo obriga-nos a assistir ao lento degradar físico, nosso e de quem amamos. Perdemos pessoas e guardamos memórias na mesma proporção, de modo a que na recta final é provável que já tenhamos perdido (quase) toda a gente e nos resignemos a viver de um baú de nostalgia. Com sorte, nostalgia da boa. Mas nunca é 100% boa, pois não? Estão lá também os arrependimentos, as amarguras, as dores que etiquetámos como incuráveis.
Para que serve esta ladainha de comiseração (tão Peixes…)? Ora bem, tem a sua utilidade (Saturno). É possível observar por estes dias que os males do mundo resultam desta condição que é sofrer. Toda a violência a que assistimos, todo o Mal (M grande aqui), é como sofrimento a transbordar. A pessoa sofre. A pessoa não sabe como lidar com esse sofrimento. A pessoa olha pra dentro e vê partes de si que não reconhece. Partes zangadas, partes destituídas de compreensão, partes que foram exiladas por não ficarem bonitas na foto de família. Partes varridas para debaixo do tapete. Partes em puro sofrimento.
Estratégia clássica? A pessoa deita essas partes pra fora. “Isso?!?! Isso não é meu! É daquele fulaninho que vai ali a passar”. Porque as partes são assim, não nos querem largar, então vemo-las “colar-se” à pele dos outros e fingimos que nunca foram nossas. Deixem lá os outros carregar essas partes por nós! Claro que, como fantasmas de estimação, seguem-nos para todo o lado. E nem interessa muito quem são estes “outros”. Neste contexto, não os entendemos como “pessoas” de pleno direito, individuais, únicas. Não são seres separados de nós, com mente e coração próprios, também eles com umas partes meio maradas, também eles em sofrimento. Não não: estes “outros” são os nossos fantasmas que nos recusamos a reconhecer. Mas para simplificar (ou seja “sacudir a água do capote”), vamos já assumir que são umas bestas. Obviamente!
E assim chegámos ao estado disto tudo. A tendência para erguer barricadas sempre lá esteve, desde o início dos tempos (não ajuda que Saturno tenha estado nos seus signos favoritos, Capricórnio e Aquário, desde 2017 - e erguer muros rígidos é uma das suas especialidades).
Inimigo, precisa-se. Wokes, homofóbicos, racistas, anti-vax, trumpistas, crentes, ateus, ativistas do apocalipse, capitalistas. Entre todos eles, há pessoas que amamos. Que já amávamos antes de começarem a ser sugados por um qualquer vortex ideológico. E nem me interessa que vortex é esse. A atitude dominante parece ser:
1. Aquela pessoa pensa diferente de mim sobre o assunto X.
2. O assunto X é absolutamente fundamental para a minha vida. O assunto X é o "saco" onde despejei todo o meu sofrimento, o saco que o contém e me permite olhar no espelho todos os dias sem ter que pensar nas partes maradas, nos fantasmas, na lenta e provavelmente inútil caminhada até ao inevitável desfecho final.
3. Conclusão: vou renegar a pessoa que pensa diferente de mim sobre o assunto X. Odiá-la com todas as forças. Essa pessoa é o exemplo acabado de tudo o que há de errado no mundo, e é por o mundo estar tão errado que eu sofro tanto. A culpa do meu sofrimento é dessa pessoa, e das pessoas como ela. Se desaparecessem da face da terra, também o meu sofrimento desapareceria.
Conseguem ver a ilusão (Peixes again) deste ponto 3, certo? Claro que nada deste raciocínio é consciente. Processa-se lá no fundinho, longe da luz, onde vai criando raízes, erguendo estruturas sólidas (Saturno). E erguendo barricadas entre pessoas X e pessoas anti-X.
Olhando a coisa friamente, não entendo. Sinto-me como o eremita que visita a aldeia depois de anos sozinho na montanha (o isolamento da pandemia), apenas para exclamar para os seus botões “Estes aldeões endoideceram!”. É que pessoas X e anti-X têm muitíssimo mais em comum do que aquilo que as separa. A saber:
A. Pessoas X e pessoas anti-X são seres humanos.
B. Pessoas X e pessoas anti-X têm passado por cenas fixes e por cenas menos fixes. Conheceram pessoas que as acarinharam, e outras que as fizeram sentir uma merda. Vivem experiências fantásticas, experiências terríveis, e experiências assim-assim.
C. Pessoas X e pessoas anti-X sofrem com as mesmas coisas: medo de perderem quem amam, medo de perderem o que as sustenta, medo de se perderem a si próprias.
D. Pessoas X e pessoas anti-X não sabem como lidar com o sofrimento de estar vivo. Tentam ditar o que os outros podem ou não dizer: ai de quem as ofenda por pensar ou sentir de maneira diferente! Zangam-se, indignam-se, e agridem os outros sem perceber que com isso se agridem a si próprias.
E. Pessoas X e pessoas anti-X querem exatamente a mesma coisa: sentir-se seguras, ser amadas como são, poder fazer o que lhes traz realização pessoal e sentido de propósito. Fazem o melhor que podem a cada dia que passa. Se soubessem como fazer melhor, fariam.
E esta nem é uma lista exaustiva. Por que raios nos estamos então a tribalizar, e a atirar para o lado de lá da barricada ideológica os “outros” (fantasmas nossos, não esquecer!), quando na realidade não são “outros”: são PESSOAS como nós. Naquilo que é mais fundamental, são pessoas exatamente como nós. Empatia, people. Peixes no seu melhor.
Com o ponto de polarização a que chegámos, como serão os próximos anos? Certamente diferentes. Saturno estará em Peixes até Maio de 2025, de balde e esfregona em riste, enxugando todas as identidades dissolvidas no mar das ideologias (Eh pá, por uma vez na vida, tenham sentido crítico, gente. Think for yourselves!). Peixes não é um sítio onde Saturno goste de estar, atolado na lama onde nada de sólido se consegue construir… mas tem que ser, ele é duro, e paciência não lhe falta.
Já Neptuno, que há muito se vem arrastando pelo seu signo favorito (como quem diz “Vá lá, só mais um bocadinho, está-se tão bem aqui…”), sai de Peixes para Carneiro em Março de 2025. Até lá, e com a entrada definitiva de Plutão em Aquário, esperemos que esta dose de ar fresco e visão desapaixonada da sociedade (Aquário) traga alguma sanidade ao modo como nos estamos a relacionar. Mais escuta, mais empatia pelas outras pessoas, e reconhecimento das nossas próprias feridas e das perspetivas distorcidas que elas alimentam… este seria talvez o melhor legado que Neptuno em Peixes nos poderia deixar. E como diria Saturno - se estivesse de bom humor - ainda vamos muito a tempo ;-)