Dizem que nas épocas de crise as pessoas mostram o seu melhor e o seu pior. A recente iniciativa Just Smile, que deu a várias doentes oncológicas a oportunidade de brilharem num dia muito especial, fez-me pensar no quão solidários se têm mostrado os portugueses nestes últimos anos. Para além da ansiedade mal controlada e da indignação indisfarçada, parece que estamos cada vez mais sensíveis ao sofrimento alheio.
A Antropologia ensina que na base do altruísmo está o egoísmo: ajudamos para sermos ajudados quando estivermos na mó de baixo. Mas em Astrologia estes fenómenos de partilha colectiva têm outro tipo de explicação, e surgem associados ao planeta Neptuno. No mapa astrológico de cada pessoa, Neptuno assinala a parte de nós que anseia por ligar-se a qualquer coisa maior. Em maior ou menor grau, todo o ser humano se ressente da sua condição individualizada. Para além da solidão concreta de não termos por perto aqueles que amamos, sentimos também uma solidão existencial, mais ou menos consciente. É essa solidão que nos faz sonhar, criar ilusões, fugir da “vida real” para mergulhar num universo onde não mais nos sentimos isolados mas antes em comunhão emocional e espiritual completa com tudo o resto que existe. Muitas pessoas procuram essa “fuga” através do álcool, das drogas, das fantasias que nos vendem a TV e o cinema. Outras pessoais deixam-se levar de boa vontade pelas promessas de um amor perfeito, de uma vida sem problemas. E há ainda quem, reconhecendo neste anseio o chamamento espiritual que ele na verdade é, procurem “re-ligar-se” ao poder divino através da oração, da meditação, dos rituais.
Mas uma das expressões mais construtivas de Neptuno é o desejo de nos ligarmos às outras pessoas, não só aquelas com quem temos relacionamentos pessoais, mas TODAS as outras pessoas. Da cidade, do país, do mundo inteiro. Porque são seres humanos, como nós. Porque sofrem e choram e sonham como nós.
Abraçar o nosso Neptuno interior é, no seu melhor, viver em empatia com todos e cada um. Mas a fusão emocional prometida por Neptuno não acontece sem que uma parte de nós seja sacrificada. Importa por isso termos consciência de quem somos individualmente, para perceber que partes de nós nos mantêm artificialmente isolados, e que partes de nós são essenciais à nossa evolução. Afinal, depois de asseguradas as minhas necessidades essenciais, que tempo e energia tenho para dar aos outros? Que preconceitos e egoísmos devo sacrificar pelo bem comum? Quem pode beneficiar das minhas ideias, das minhas capacidades, da minha dedicação?
Ser solidário é muito mais do que contribuir para peditórios, ou parar 5 minutos para reflectir sobre os males do mundo. Ser solidário é ter a coragem e a generosidade de tomar uma atitude consciente, eficaz e atempada. É perceber que, por detrás de todas as ilusões a que nos entregamos nas nossas vidas pessoais, está um tremendo desejo de participar numa união colectiva. Uma união de sentimentos, de intenções e de acções. Ser solidário é sacrificar um pouco do que nos é valioso para receber em troca um presente inestimável: a dádiva de nos sentirmos profundamente ligados a qualquer coisa maior do que nós.